Por favor leiam com bastante atenção o texto abaixo escrito por Mauro Santayana e publicado pelo Jornal do Brasil no dia16/08/2012,com toda a certeza vocês ficarão indignados com o que os nossos governantes vem fazendo a décadas com o nosso país.
O cerco à indústria brasileira de
defesa
Na contramão da tendência mundial, o Brasil desnacionaliza sua indústria
bélica
Mauro Santayana
As forças militares brasileiras só dispõem de munições para
uma hora de resistência, segundo declarou o general Maynard Santa Rosa a O
Globo. No caso de uma situação de guerra, dependeríamos de um grande
esforço diplomático, a fim de ganhar tempo e mobilizar a nação às pressas para
a defesa do território. É certo que uma ocupação militar do Brasil por força
invasora é quase impossível, e que teríamos condições de expulsá-la depois de
imensos sacrifícios da população civil. Mas, nos restaria à destruição de nossos centros industriais mais importantes.
Guerra quer dizer tecnologia. Desde o arco e a flecha —
invenção que surgiu, segundo os antropólogos, com o neolítico — os países mais
poderosos são aqueles na vanguarda da produção de armamentos. Preservar a paz é
preparar-se para a guerra, conforme a constatação dos romanos. Quer pela nossa
índole, quer por desídia, ou por confiança na sorte, o Brasil talvez seja,
relativamente, o país mais indefeso do mundo.
O país procura investir na sua defesa, mas está muito moroso
e comete um erro crasso, o de não produzir seus próprios armamentos e petrechos
de combate. Estamos desnacionalizando o pouco de indústria bélica de que
dispomos, com a entrada maciça de empresas estrangeiras (entre elas, e de forma
agressiva, as de Israel) no parque industrial brasileiro, mediante a aquisição
de firmas nacionais ou de sua associação com nossos empreendedores.
No mundo inteiro, quem comanda a produção de armamentos –
direta ou indiretamente — é o Estado. No Brasil, um bom caminho é a criação da
Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), vinculada ao Ministério da
Defesa. Aprovada pelo Congresso, a estatal foi criada na semana passada pela
presidente Dilma Rousseff, com o objetivo,
entre outros, de construir o primeiro submarino movido a energia nuclear feito
pelo Brasil, em sociedade com os franceses.
A cada ano, devido à Amazônia e ao Pré-sal, entre outras
razões, cresce a importância de a nação aumentar — como acontece na Europa com
complexos industriais militares como a Eads, a Navantia e a Finmecannica — a
participação direta do Estado na indústria brasileira de defesa. Outra meta
deve ser a de se buscar um maior grau de conteúdo nacional nas encomendas
contratadas junto a empresas estrangeiras.
Posse da tecnologia
Não se pode admitir — como ocorre com a projetada fabricação
de 2 mil blindados ligeiros Guarani pela Iveco, no município mineiro de
Sete Lagoas — que apenas 60% das peças utilizadas sejam fabricadas no Brasil.
Em caso de conflito, ou mera ameaça de confronto entre o Brasil e qualquer país
da Otan (Europa e Estados Unidos), a produção desses tanques seria
descontinuada e não teríamos como substituir o material perdido em combate. É
de se recordar o exemplo da Argentina, que ficou literalmente a ver navios —
nesse, caso, britânicos — na Guerra das Malvinas.
Por outro lado, há um verdadeiro cerco dos países
geopoliticamente identificados como ocidentais à indústria bélica brasileira.
Todas as nossas empresas que desenvolveram tecnologia militar nos últimos anos
tiveram o seu controle adquirido por grupos internacionais recentemente.
Com isso, essas multinacionais se apossaram do conhecimento
desenvolvido por técnicos e engenheiros brasileiros. Agora podem decidir a seu
bel-prazer, seguindo a orientação estratégica dos governos de seus países, até
que limite essas empresas — que antes pertenciam a empresários brasileiros —
poderão ir, no desenvolvimento de novas tecnologias bélicas.
A Aeroeletrônica, empresa brasileira que há mais de duas
décadas se dedica ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte
logístico de produtos eletrônicos para veículos aéreos, marítimos e terrestres
é um exemplo. Ela, que forneceu sistemas de aviônica para o Tucano 27 e o Super
Tucano, da Embraer, e para o caça ítalo-brasileiro AMX, foi adquirida, em 2001,
pela Elbit, empresa israelense criada, em 1967, sob o estímulo do Ministério da
Defesa de Israel.
A Ares - Aeroespacial e Defesa foi outra a ter o seu
controle adquirido pela Elbit, no final de 2010, quando foi rebatizada como AEL
Sistemas. Ela desenvolvia a Remax, uma estação de arma estabilizada
servo-controlada, para metralhadoras, destinada a equipar os blindados Guarani
dos quais falamos. Outros de seus produtos são os colimadores, indicadores
visuais de rampa de aproximação, sistemas óticos de pontaria para tiro indireto
de morteiros, sistemas de lançamento de torpedos, e foguetes de chaff, para
defesa de navios.
Com sua desnacionalização, o Remax, desenvolvido inicialmente
por técnicos do CTEX, foi substituído pelo UT30BR, e o contrato para o
equipamento dos blindados Guarani com essas torretas automatizadas de
armamento, no valor de mais de R$ 400 milhões, foi repassado para os
israelenses.
Apenas três meses depois, em janeiro de 2011, Israel dava
mais um passo na sua estratégia de penetração na indústria bélica brasileira,
com a compra da Periscópio Equipamentos Optrônicos S.A, especializada na área
de defesa e sinalização aeroportuária.
Lucro assegurado
O que causa revolta no observador mais atento é o fato de que
o retorno do baixo investimento feito por multinacionais estrangeiras para a
compra dessas empresas, da ordem de algumas dezenas de milhões de reais, é
líquido e certo.
O lucro, várias vezes maior do que os investimentos, é
assegurado por encomendas já contratadas pela Marinha, Exército e Força Aérea.
Em muitos casos, nossas forças armadas já desenvolviam sistemas em parceria com
estas empresas que estão sendo desnacionalizadas quando ainda estavam sob
controle acionário local.
Empurrada pelas aquisições, a estratégia israelense no Brasil
está indo de vento em popa. Em março de 2011, a AEL, controlada pela Elbit,
criou com a Embraer uma nova empresa, a Harpia, que fabrica os Vants, veículos
aéreos não tripulados para vigilância e ataque, do tipo utilizado pelos
israelenses nos territórios palestinos e pelos norte-americanos no Paquistão e
no Afeganistão.
Outra empresa israelense, a IAL (Israel Aircraft Industries),
fabricante do míssil Rafael, fornece os aviões-robôs do mesmo tipo (que os
Vants) para o sistema de vigilância de fronteiras da Polícia Federal. Esses
veículos telecomandados poderiam ser desenvolvidos no Brasil, onde já existem
empresas incipientes formadas por universitários para atuar nesse segmento da
tecnologia aérea.
Assim, seja na área de blindados, na de aviônica, de
optoeletrônica, como é o caso de periscópios, ou de aviões robóticos não
tripulados, os israelenses — e, por meio deles, também seus aliados
norte-americanos — podem monitorar, confortavelmente, da mesa de diretoria
dessas empresas, cada passo que o Brasil dê nessas áreas.
Radares e helicópteros, e, agora, submarinos, são o campo de
caça dos franceses, que completaram, em setembro de 2011, com o Grupo Thales, a
aquisição, iniciada em 2006, de 100% do controle da brasileira Omnisys, empresa
especializada no desenvolvimento e fabricação de radares de longo alcance,
sediada em São José dos Campos.
Encomendas de US$ 7 bilhões
Em alguns casos a fabricação de armamentos é feita — sem
subterfúgios ou hipocrisia — por empresas diretamente controladas por governos
estrangeiros. Esse é o caso da DNCS (Direction des Constructions Navales), que
tem 75% de suas ações nas mãos do governo francês. Ela se “associou” à
Odebrecht para construir, em Itaguaí, no
Rio de Janeiro, quatro submarinos da classe Scorpéne e mais o casco do futuro
submarino nuclear brasileiro — encomendados pela bagatela de 7 bilhões de
dólares.
O mais perto que já cheguei de um submersível foi quando li
20 mil léguas submarinas, de Júlio Verne. Mas, como disse Arquimedes,
referindo-se à alavanca, “deem-me um ponto de apoio e moverei o céu e a terra”.
Se derem a qualquer governo de um país, com um mínimo de planejamento, 7
bilhões de dólares, ele certamente construirá bela fábrica de submarinos, desde
que haja tempo para contratar as pessoas certas — aqui e no estrangeiro — e
adquirir os componentes adequados, sem precisar dividir o controle desse ativo
estratégico com ninguém.
Com uma parcela desse dinheiro, o Brasil poderia montar uma
completa universidade naval, formando centenas de engenheiros especialistas na
construção de belonaves, entre elas, submarinos, por ano, no lugar dos 26
brasileiros que passaram alguns meses na França, em uma escola de submergíveis,
por conta do acordo. Por aí se pode ver que os especialistas brasileiros
formados no âmbito desse contrato milionário — negociado pelo então Ministro da
Defesa Nelson Jobim — cabem todos em um micro-ônibus. Rezemos para que não
aconteça um acidente.
Considerando-se que o Brasil ficou anos sem investir um
centavo em armamentos, e que teve a sua indústria bélica desmantelada durante a
tragédia neoliberal dos anos 1990, devido á ojeriza a qualquer coisa que se
aproximasse de uma política industrial decente, compreende-se que o governo Lula
esteve, nessa área, movido por boas intenções.
Processo persistente
Ocorre que a pressa não justifica a adoção de certo tipo de
acordos, por parte do Brasil, principalmente quando se sabe que alguns
contratos, como os assinados com os franceses, na área dos submarinos, ou com
os italianos da Iveco, para a fabricação de blindados — com projeto do Exército
Brasileiro — têm uma duração de 20 anos.
A Helibras, única fábrica latino-americana de helicópteros, é
controlada, em mais de 75%, pela Eurocopter francesa. Esta por sua
vez, pertence em 100% à Eads, consórcio européia
que conta com a participação, direta e indireta, dos governos franceses, alemão
e espanhol.
Como muitos grupos de defesa multinacionais que funcionam no
Brasil, a Helibras tem sido também irrigada com milionários contratos pelas
Forças Armadas. É o caso da encomenda de 50 helicópteros pesados, destinados às
três forças, apesar do conteúdo nacional de seus produtos serem baixo e de a maior parte dos lucros seguir todos os anos
para a Europa.
É fácil ver que o avanço dos franceses — assim como o dos
outros países geopoliticamente classificados como “ocidentais” — sobre a
indústria nacional de armamento é um processo duradouro, organizado e
persistente.
No dia 12 de junho de 2012, há menos de dois meses, portanto,
a Optovac Mecânica Optoeletrônica Ltda, especializada em equipamentos de
optrônica e visão noturna, parte de um seleto grupo de pequenas e médias
empresas inovadoras, assim classificadas pelo Ministério da Defesa, foi também
comprada — sem qualquer oposição — pela Sagen francesa, do grupo Safran,
controlado em mais de 30% pelo governo daquele país.
Navios patrulha ingleses
Os ingleses, naturalmente, não poderiam ficar de fora do
processo da tomada de controle de nossas empresas de defesa e das encomendas do
governo. A British Aeroespace, ou BAE Systems, acaba de fornecer três navios de
patrulha oceânica para a Marinha, por quase R$ 400 milhões, em uma compra de
“oportunidade”. Eles estavam antes destinados
a Trinidad e Tobago. No final de 2011, essa empresa também assinou contrato —
depois do necessário nihil obstat do governo norte-americano — para modernizar
um primeiro lote de 150 veículos blindados sobre lagartas, o M-113, utilizados
em transporte de tropas, avaliados em 43 milhões de dólares. O valor pode
aumentar proporcionalmente, caso o processo se estenda para toda a frota
brasileira desse tipo de veículos, que chega a 350 blindados.
Na área aeroespacial, a BAE inglesa foi selecionada para
fornecer os sistemas de controle eletrônico de voo do novo jato militar de
transporte KC-390 da Embraer. Agora, como informam meios especializados, busca
“parcerias estratégicas” para participar das licitações do Sisfron (Sistema
Integrado de Fronteiras) e do Sisgaaz (Sistema de Monitoramento da Amazônia
Azul), avaliados em 15 bilhões de dólares.
Poderíamos falar aqui também dos planos e manobras da
Finmeccanica, italiana, ou da Navantia, espanhola, no Brasil, ambas com
participação acionária de seus respectivos governos.
Tratamento diferenciado
É preferível, no entanto, lembrar a diferença entre o
tratamento que damos aos grupos estrangeiros de defesa — aqui representados, às
vezes, por pessoal da reserva de nossas forças armadas que já serviu no
exterior — e aquele que recebem as nossas empresas quando tentam penetrar no
mercado de algum país do Hemisfério Norte.
Nos países ditos capitalistas e de suposto “livre mercado”, a
compra de armamentos e a propriedade empresas fabricantes de material bélico
costumam ser tratados como assuntos estratégicos e de segurança nacional.
Na Europa, para comprar um projétil que seja, procura-se,
primeiro, uma empresa local. Depois, se por uma questão de preço ou de escala,
a encomenda tiver de ser feita a uma empresa estrangeira, busca-se a que tenha
participação acionária de algum grupo do país comprador. Em último caso,
procura-se empresa que pertença a um dos enormes complexos militares
controlados diretamente por governos europeus, como é o caso da Eads.
Os Estados Unidos são ainda mais curtos — e grossos — nesse
aspecto. Para vender qualquer arma ao governo dos Estados Unidos ou às suas
Forças Armadas, a empresa estrangeira terá que estar instalada em seu
território, onde obrigatoriamente deverá produzir a encomenda e estar associada
“minoritariamente” a uma empresa diretamente controlada por capitais
norte-americanos.
Devido a essa postura — que deveríamos praticar aqui há muito
tempo, se mais não fosse por uma questão de isonomia — a mera hipótese da
entrada de uma empresa brasileira de tecnologia de defesa naquele mercado, como
fornecedora das Forças Armadas norte-americanas, mesmo que cumprindo
rigorosamente todos os requisitos a que nos referimos, acaba se transformando
em uma questão nacional.
Licitação anulada
Foi o que descobriram os executivos da Embraer no ano
passado. Após se associarem à norte-americana Sierra Nevada Corporation e
vencerem uma licitação de menos de 400 milhões de dólares para o fornecimento
de 20 aviões ligeiros Super Tucano a serem utilizados no Afeganistão, viram a
concorrência ser anulada.
Uma campanha movida no país, com apoio de congressistas
republicanos, pela Hawker Beechcraft, que teve seu avião desclassificado por
problemas técnicos, levou a Força Aérea norte-americana a anular a concorrência
conquistada pela Embraer. Isso, apesar do compromisso de a fabricação do avião
ser em território norte-americano e de a maior parte das peças das aeronaves
serem produzidas pelos Estados Unidos ou pelos seus parceiros do Nafta.
Podemos imaginar o que não ocorreria no Brasil — e o
escândalo que não fariam certos veículos de comunicação — caso ocorresse o
mesmo por aqui e um contrato de fornecimento de armamento norte-americano para
nossas forças armadas fosse bloqueado no Congresso, devido ao pedido de uma
empresa concorrente de capital 100% nacional.
Estratégia definida
A estratégia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, com
relação ao Brasil, está cada vez mais clara:
— Impedir o desenvolvimento de tecnologia nacional própria,
com a compra de qualquer empresa que procurar desenvolvê-la;
— Associar-se à empresa que não se puder comprar, oferecendo
cooperação no desenvolvimento da tecnologia, com o intuito aparente de ajudar o
país a queimar etapas. Na verdade, tenta-se impedir qualquer avanço à sua
revelia, sem vigilância ou participação;
— Impedir que o dinheiro gasto com o reaparelhamento das
Forças Armadas chegue às mãos de empresas sob controle nacional, evitando ainda
que esse dinheiro seja investido em avanços de caráter tecnológico que coloquem
em risco a hegemonia de suas empresas no mercado brasileiro e no exterior;
— Cooptar, com associações ou contratos de representação e de
lobby, pessoal da reserva das forças armadas, principalmente ex-adidos
militares brasileiros no exterior, para vender, como uma coisa ideologicamente
natural, a associação do Brasil com empresas ocidentais para a produção de
armamento, de forma a impedir que a nação recorra a outras opções;
— Impedir a reunião, coordenada, de pequenas empresas
brasileiras de grande potencial tecnológico, em grandes consórcios industriais
militares de inspiração ou controle público, como os que existem no Ocidente,
como a Lockheed Martin, ou a própria Eads;
— Diminuir, via participação na maioria dos contratos, a
realização de associação entre empresas brasileiras de defesa de qualquer porte
e empresas não ocidentais, como as existentes nos países Brics. Se não puder
impedir a cooperação entre uma empresa brasileira de defesa e uma congênere do
Brics, estar presente acionariamente ou como participante do projeto, do lado
brasileiro, para “controlar” essa aproximação;
— Estabelecer, coordenadamente, via supervisão dos métodos de
produção e administração, e aplicando baixos índices de conteúdo nacional, um
alto grau de dependência da indústria nacional de defesa com relação aos seus
“parceiros” e controladores ocidentais. Isto permitirá futura paralisação das
linhas de montagem dos armamentos em nosso país, em caso de conflito ou de
potencial conflito, entre o Brasil e esses países;
Legislação perversa
Ao enfrentar uma situação absurda e desastrosa, com a
criminosa aprovação, no governo Fernando Henrique Cardoso, de emenda
constitucional que transformou para todos
os efeitos, em “brasileira” qualquer empresa instalada no Brasil — mesmo que controlada
por capitais públicos ou privados estrangeiros — a presidente Dilma tenta fazer
o que pode, na área de defesa, embora não tenha conseguido impedir que o
processo de desnacionalização chegasse ao ponto que chegou.
Temos uma legislação perversa, que faz com que o país, do
ponto de vista da defesa do capital nacional, tenha que subir ao ringue com as
duas mãos atadas. Somos obrigados a concorrer com empresas que contam com
descarado apoio — direto e indireto — dos governos de seus países de origem.
As agências “reguladoras” nacionais, incluindo o Cade, não
fazem nenhuma distinção entre empresas de capital nacional ou estrangeiro, até
mesmo quando grandes grupos autenticamente nacionais tentam se expandir, via
aquisições, no mercado internacional.
Superavit com a Venezuela
Além disso, o Brasil precisa ainda enfrentar a oposição de
seus inimigos internos.
Nesse sentido, a pior herança que nos deixaram os anos 1990,
foi toda uma geração de presumidos formadores de opinião que insistem em ser
mais realistas que o rei, e mais neoliberais do que os executivos de Wall
Street, na defesa do entreguismo e da capitulação da nação.
Isso em um mundo em que os países que mais intervêm na
economia são justamente os que mais crescem
como é o caso da China; ou em que os países mais poderosos são justamente os
mais nacionalistas, como é o caso da própria China, dos Estados Unidos, da
Alemanha e do Japão.
É nesse Brasil absurdo que alguns industriais defendem a
elite paraguaia, que só nos manda armas e drogas e o mais maciço e rasteiro
contrabando. É essa mesma gente que insiste em estreitar a “parceria” com os
Estados Unidos — com quem temos mais de 5 bilhões de dólares de prejuízo no
comércio exterior — enquanto ataca duramente a entrada da Venezuela — que nos
compra quase 5 bilhões de dólares em alimentos e manufaturados com um superávit
brasileiro de mais de 3 bilhões e 200 milhões de dólares — no Mercosul.
O pior é que ninguém pergunta aos milhares de trabalhadores,
empreendedores, pecuaristas, agricultores e empresários brasileiros que
produziram e venderam esses 7 bilhões de reais aos venezuelanos em 2011 o que
eles pensam sobre o assunto.
Voltando à questão do cerco ocidental à indústria bélica, a
entrada do BNDES no capital da Avibras, no final do governo Lula, ao permitir
que essa empresa honrasse a entrega de importante pedido ao governo da Malásia,
e a encomenda de um sistema Astros 2020 para os fuzileiros navais, apontam para
a direção correta.
A criação da Amazul (Amazônia Azul Tecnologias e Defesa) para
cuidar da produção do propulsor nuclear que irá equipar o futuro submarino
nuclear brasileiro, também foi um passo fundamental para a independência do
Brasil na área de defesa. Isso, embora já se organize a resistência de
conhecidos grupos a fim de sabotar a empresa.
A Amazul, estatal que não pode ser vendida a nenhum grupo
estrangeiro, representará — se houver decisão política nesse sentido por parte
do governo — um divisor de águas na política brasileira de defesa.
Importância das parcerias
Ela poderá ser — e o Brasil precisa disso — a primeira de
grandes empresas cem por cento nacionais, destinadas à produção de armamento. E
se transformar no embrião de um grande estaleiro estatal, acoplado a uma
importante escola de engenharia naval, para a Marinha, além de constituir
exemplo para a criação de uma empresa desse porte também para a força
terrestre.
Com complexos industriais desse nível, o Brasil estaria
pronto para estabelecer parcerias com as grandes empresas estatais dos países
Brics, para desenvolver, ainda nas próximas décadas, toda uma nova geração de
armamentos.
A cooperação de empresas brasileiras como a que está em curso
entre a Mectron e a Denel sul-africana para a construção de um míssil A-Darter
pode quebrar um pouco da antipatia que ainda existe com relação à cooperação
com a Rússia, a Índia e a China, os outros Brics, no desenvolvimento de
material de defesa.
Não se trata de recusar a tecnologia ocidental, mas sim de
impedir que se tome de assalto o nosso sistema de produção de armamentos. Além
disso, a subordinação do Brasil às empresas norte-americanas, europeias e
israelenses nos fechará o mercado de boa parte do mundo — como os próprios
países árabes — que não são simpáticos a Israel ou aos Estados Unidos. Ou os
próprios Brics, com quem teremos que cooperar, caso não queiramos colocar os
nossos ovos — ou nossas empresas de armamento — em uma só cesta.
Incentivos à indústria nacional
Não podemos correr o risco de ficar desarmados e inermes
frente a eventuais inimigos, por cooperar só com um lado do mundo, e com
empresas que estão todas, política e corporativamente, ligadas entre si, até do
ponto de vista acionário.
O governo federal está preparando novas medidas para a área
bélica, que incluem maiores incentivos fiscais e de crédito para empresas que
estejam sob baixo controle teoricamente brasileiro.
Com a aprovação, em março, da Lei 12.958, grupos que atuam na
área de infraestrutura e construção civil, como a Odebrecht (já associada à
Eads), OAS, Engevix, Queiroz Galvão, Camargo Correa e Synergy, além da própria
Embraer, terão vantagens tributárias e condições especiais de crédito para
participar de licitações na área de defesa.
O problema é que todos esses grupos estão negociando a
participação de empresas estrangeiras, todas dos Estados Unidos ou da Europa,
na composição dessas novas empresas, em troca de “tecnologia”.
Estamos partindo do pressuposto de que a única maneira de ter
acesso à tecnologia na indústria bélica mundial é a de nos associamos a um
parceiro mais forte, e, ainda por cima, estrangeiro.
Essa é uma premissa falsa, para não usar palavra mais forte.
Com dinheiro e decisão política, qualquer um vai atrás da tecnologia. Pesquisa,
planifica, copia projetos e contrata especialistas entre os milhares de
engenheiros e cientistas estrangeiros que estão desempregados em razão da crise
na Europa e nos Estados Unidos.
Ou se associa, em igualdade de condições, a países que
desenvolveram de forma autônoma a sua própria indústria de defesa, como a China
e a Rússia, sem depender de associações desse tipo com os países
ocidentais.
No entanto, no lugar de aproveitar a janela de oportunidade
aberta pela crise para nos apropriarmos de pessoal especializado e da
tecnologia que está disponível lá fora, sem abrirmos mão de controlar,
sozinhos, uma área que é estratégica para o país, o que estamos fazendo — e com
financiamento público e benefícios fiscais — é aprofundar a nossa dependência a
esse projeto geopolítico “ocidental”.
Comprometemos o futuro de nosso povo, e, graças às emendas
constitucionais de FHC, pagamos pela vassalagem. Isso já se fez nas
telecomunicações, quando se usou o dinheiro do BNDES para a expansão e o
fortalecimento, em nosso território de empresas estrangeiras — “associadas” ou
não a grupos nacionais — que não têm e nunca terão o menor compromisso
estratégico com o Brasil.
Como lembra a fábula de Jean de La Fontaine — ou a joint
venture do porco com a galinha para vender ovos com bacon — não existe pacto
possível entre lobos e cordeiros. Na associação de uma construtora brasileira
com um grande grupo multinacional de defesa, com eventual participação estatal,
ou golden share, do governo de seu país de origem, não seremos nós os lobos e
eles os cordeiros.
Essas joint ventures, se vierem a ocorrer, para o
fornecimento — sem garantia de 100% de conteúdo nacional e de 100% de controle
brasileiro — de armamentos que levam décadas para ser desenvolvidos e
produzidos, equivalerão à entrega e capitulação de nossa indústria bélica,
agora e no futuro, à Europa e aos Estados Unidos. O governo Dilma Rousseff, por
pressão, pressa ou ingenuidade, poderá vir a ser responsabilizado perante a
História se prosseguir nesse caminho.
Serão necessárias medidas corajosas como as que levaram à
queda dos juros. Crédito e condições fiscais especiais, em áreas estratégicas,
dentro de projeto nacional de independência, poderão ser destinadas apenas a
empresas que tenham 100% de capital nacional, com cláusulas que assegurem a
intervenção soberana do governo e impeçam a sua venda e controle — como já
ocorreu no passado e continua agora — por capitais estrangeiros.
Tecnologia compra-se lá fora, quando existe dinheiro, sem ser
preciso entregar uma única ação aos concorrentes. Além disso, a presença de
empresas da Europa e dos Estados Unidos na composição acionária das futuras
“superbélicas nacionais” irá impedir que essas empresas possam comprar
tecnologia dos nossos parceiros nos Brics — como a Rússia, a China e a Índia —
caso não haja interesse de países como a França ou a Itália em
fornecê-la.
É preciso romper o cerco ocidental à indústria brasileira de
defesa. Estamos assinando acordos que equivalem a entregar a alma ao diabo. A
nossa indústria bélica deve nos defender. O exemplo do que houve com a
Argentina, no caso das Malvinas, basta.